quinta-feira, dezembro 23, 2010

quinta-feira, dezembro 16, 2010

terça-feira, dezembro 07, 2010

Es weihnachtet

Não gosto de chuva. Não gosto de tempo cinzento. Não gosto de vento. Não gosto de frio. Odeio Inverno. Contudo, quando pela primeira vez fui ao mercado de Natal em Munique, no ano seguinte ao de Budapeste, depois ao de Praga e no ano a seguir ao de Viena, a minha vida mudou e passei a saber apreciar a vida estranha de uma encasacada entre iluminações, tendas de artesanato, anjos e coroas de flores secas aromatizadas com laranja, canela e cravinho e uma caneca de Glühwein, escaldante e perfumado, titubeantemente aconchegada entre as mãos gélidas, enganosamente cobertas de luvas invernosas. E não há sol nem calor. Há uma magia oculta, quem sabe reminiscências de Natais passados e felizes, no calcorrear de ruelas estreitas que sossobram às barraquinhas coloridas e decoradas com cuidado, a nuvem de ar espesso e branco que se eleva das verbalizações quase monossilábicas dos vendedores, conversa apenas no indispensável para que ocorram pequenas trocas comerciais, o dinheiro contado na palma da mão enluvada, rostos brilhantes encafuados em gorros pungentes e o pescoço envolto no carinho aconchegante de um cachecol volumoso, um obrigado e um adeus. A luz estridente que se propaga no contraste das noites precoces e assustadoramente negras de um Dezembro final, aromas que se desprendem das mais diversas iguarias, o restolhar mansinho dos passos vagarosos e da roupa volumosa dos transeuntes e o bater de perna mercado acima e abaixo sempre acompanhado da constatação tão óbvia do frio omnipresente. Estranhos prazeres para uma alma estival. Doce contradição. 

 Praga
fotografia minha

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Sempre chegamos ao lugar aonde nos esperam*

Eis que chega ao fim o Mês Saramago. Foram setenta e um posts e houve um pouco de tudo: prosa, poesia, nacos de prosa, fotografias mas fundamentalmente a comemoração da vida e obra de José Saramago. Resta-me agradecer a todos os que participaram na iniciativa com palavras e textos, ao destaque na Fundação José Saramago, a Pilar del Río, que acolheu a iniciativa, e a todos os que desse lado foram acompanhando o De Mês em Quando ao longo deste mês:

Adriano Alcântara
Anastasia Myrna
Ana Maria Gonçalves
Elsa Ribeiro
Helder Franco
Hélia Correia
Isabel Leal
Ismael Gonçalves
José Rosa
Lúcia Reis
Lurdes Fonseca
Maria Luísa Barros
Paulo Passos
Teresa Simões


fotografia de Daniel Mordzinksi


* Epígrafe d' A Viagem do Elefante de José Saramago

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Uma casa com vista para o mundo


Quantos filmes românticos vi ao longo da minha vida? Perdi a conta. A maioria não ficou para a História, nem sequer para a minha história pessoal, mas cumpriu a sua função que foi a de ficcionar o amor, oferecendo-me matéria-prima para os meus sonhos de rapariguinha e mais tarde para as minhas evasões de mulher adulta.
Nesta relação que estabeleci para a vida a realidade também tem o seu papel, que é o de ficar sempre à minha espera, à saída da sala, mesmo a tempo de me levar de volta às minhas rotinas. Creio que a primeira vez que ela não ficou à porta foi há dias, quando fui ver José e Pilar. Neste caso não fazia sentido. Afinal não se tratava de ficção mas do documentário de Miguel Gonçalves Mendes sobre José Saramago e Pilar del Rio.
Não vi beijos ardentes neste filme. O galã é octogenário, tem um rosto duro e uma voz seca, tão seca que até as suas maravilhosas declarações de amor a Pilar soam desajeitadas - "Se tivesse morrido antes de a conhecer morria mais velho do que serei quando chegar a minha hora", "Eu tenho ideias para romances, ela tem ideias para a vida" - mas no final saí da sala emocionada.
Miguel Gonçalves Mendes combina gravações do casal em registo de reportagem, na intimidade e em público, a cumprir a frenética agenda do Nobel, com imagens estilizadas a servir de suporte aos pensamentos do escritor. Desta montagem arrojada resulta uma obra esteticamente irrepreensível, com o ritmo adequado ao pulsar dos seus protagonistas.
Filmado no período em que escreveu e lançou A Viagem do Elefante, seu penúltimo livro, Saramago assume desde logo como matéria de reflexão o tema da morte, incontornável na sua já avançada idade. O documentário abre com ele em grande plano a despedir-se: "encontramo-nos noutro sítio". Depressa percebemos que é para Pilar que fala, não para nós.
Foi Saramago que disse um dia que "a nossa única defesa contra a morte é o amor". Quando vemos José e Pilar expostos nas minudências do quotidiano, placidamente instalados um no outro, percebemos a dimensão desta frase. Percebemos igualmente porque sendo ele ateu, se sai com aquele repto: "Encontramo-nos noutro sítio". Finalmente, entendemos também porque escolheu o escritor para morada aquela ilha espanhola tão inóspita. Quando Miguel Gonçalves Mendes nos mostra que o casal chamou à vivenda onde morava "a casa", faz-se luz. Pessimista como era em relação à espécie humana, aquele lar com a envolvente era uma metáfora: o seu refúgio do mundo.
Que bela foi esta história de amor e que cativante era este Saramago apaixonado.
De braço dado com a realidade, desta vez ao sair da sala vi-me em grandes dificuldades para me desligar do filme.

Teresa Ribeiro do Delito de Opinião

Não percam...

o olhar de Teresa Ribeiro, mais uma companheira de lides blogosféricas, sobre "José e Pilar".

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Epígrafes das obras de José Saramago

Nos textos escritos para o BLOG,  que Saramago intitulou O Caderno,  a propósito do livro que tinha em mãos, o seu autor afirma que  a palavra do título(…) contaria toda a história.” E continua: “Costumo dizer que quem não tiver paciência para ler os meus livros, passe os olhos ao menos pelas epígrafes porque por elas ficará a saber tudo.” ( Dezembro de 2008, Dia 30)

Sigamos, então, a proposta de Saramago:

  • Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la. Porém, se a não corrigires, não a alcançarás. Entretanto, não te resignes.”
Do Livro dos Conselhos

in História do Cerco de Lisboa

  • Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros,  São iguais a nós.”

Platão, República, LivroVII

in A Caverna
  • “ A quem me abriu portas e mostrou caminhos – e também em lembrança de Almeida Garrett, mestre de viajantes.”
in Viagem a Portugal
  • “ Conheces o nome que te deram,
         não conheces o nome que tens.”
Livro das Evidências

in Todos os Nomes

  • Todo futuro es fabuloso      Alejo Carpentier

in A Jangada de Pedra

  • Ó Pedro, que é do livro de capa verde, que te deu o avô?
         - Já o dei ao Jorge a guardar.”
João de Deus, Cartilha Maternal

in  A Segunda Vida de Francisco de Assis

  • Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
Livro dos Conselhos

in Ensaio sobre a Cegueira

  • “ O caos é uma ordem por decifrar.
Livro dos Contrários

  • “ Acredito sinceramente ter interceptado muitos pensamentos que os céus destinavam a outro homem.
Laurence Sterne

in O Homem Duplicado
  •  Saberemos cada vez menos o que é um ser humano.” 
Livro das Previsões

in As Intermitências da Morte

  • “ Pensa por exemplo mais na morte, - ε seria estranho em verdade que não tivesses de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem.”
Wittgenstein
  • “ Nem tudo é o que parece.”

in Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

  • E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”
Almeida Garrett

in Levantado do Chão

  • Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo.
Ricardo Reis
  • Escolher modos de não agir foi sempre a atenção e o escrúpulo da minha vida.”                    Bernardo Soares


  • Se me disserem que é absurdo fallar assim de quem nunca existiu, repondo que também não tenho provas de que Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo, ou qualquer cousa onde quer que seja.”                           
Fernando Pessoa

in O Ano da Morte de Ricardo Reis
  • “ Pela fé, Abel ofereceu a deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa da sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala.”
(Hebreus,11,4)
LIVRO DOS DISPARATES

in Caim
  • “ Já que muitos empreenderam compor uma narração dos factos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra, resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expor-tos por escrito e pela sua ordem, ilustre Teófilo, a fim de que reconheças a solidez da doutrina em que foste instruído.”
Lucas, 1, 1-4

  • “ Quod scripsi, scripsi.”
                                                                                                                           Pilatos

in O Evangelho Segundo Jesus Cristo

  • “ Para a forca hia um homem: e outro que o encontrou lhe dice: Que he isto senhor fulano, assim vay v. m.? E o enforcado respondeo: Yo no voy, estes me lleban. “
Pe Manuel Velho

in Memorial do Convento

Professora Lúcia Reis, professora de Português e Latim na Escola Secundária José Saramago

Um outro olhar sobre...

a obra de José Saramago vem já aí. Não percam o contributo da professora Lúcia Reis da nossa Escola.