segunda-feira, março 21, 2011

Dia Mundial da Poesia (7)

A hora da partida

A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Dia Mundial da Poesia (6)

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Dia Mundial da Poesia (5)

E ao anoitecer

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

Al Berto


Dia Mundial da Poesia (4)

Sábado encarcerado

Para ti que és o sangue e o sorriso
Ventre de mar e concha de silêncio
Para ti que és a ilha sem navios
Porto de brisa azul sem juramento

Para ti, minha imagem de proa
Meu Sábado de sol e carícia
Nesta tumba de grades que interrogam
Hora a hora para ti sustenho a vida.

Urbano Tavares Rodrigues

Dia Mundial da Poesia (3)

Encantamento

há uma palavra mágica que se diz. essa palavra
é sempre diferente. montanha, precipício, brilho.
essa palavra pode ser um olhar. a voz. um olhar.

essa palavra pode ser o espaço de silêncio onde
não se disse uma palavra. brilho,             , montanha.
essa palavra pode ser uma palavra, qualquer palavra.

há uma palavra mágica que se diz. há um momento,
depois dessa palavra, só depois dessa palavra,
pode começar o amor.

José Luis Peixoto

Dia Mundial da Poesia (2)

deserto em mim
paz e aceitação.

lamas e cicatrizes
mistérios e pactos
inscritos a fogo
no terreno sagrado da mão.
apago-o
incenso na carne:
um cigarro não me matará

os seus dias
o seu peso
talvez.

Ondjaki

Dia Mundial da Poesia (1)

fast forward

Por muito
que aceleres

- duas vezes,
quatro vezes -

nunca deixas
de ter pressa.


José Mário Silva