quinta-feira, janeiro 28, 2010

Livros novos


valter hugo mãe, uma das minhas melhores surpresas em termos literários de 2009, lançou recentemente o seu último livro. Intitula-se a máquina de fazer espanhóis, versa sobre a velhice e promete ser mais um êxito. O lançamento será feito no Porto e em Lisboa no próximo mês de Fevereiro.
Para aguçar o apetite aqui fica um trrecho desta máquina. Boa leitura:


com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito, mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante. caí sobre a cama e julguei que fui caindo por horas, rostos e mais rostos colocando-se diante de mim, e eu por ali abaixo, caindo, sem saber de nada. quando, por fim, me levantei, estava a anos-luz do homem que reconheceria, e aprender a sobreviver aos dias foi como aceitar morrer devagar, violentamente devagar, à revelia de tudo quanto me parecia menos cruel. e a natureza, se do meu coração não se esvaziou o amor pela laura, estaria numa aniquilação imediata para mim também, poupando-me à miséria de ver o sol que arde sem respeito por qualquer tragédia.
fica-se muito zangado como pessoa. não se criem dúvidas acerca disso. fica-se zangado e deseja-se aos outros pouco bem, e o mal que lhes pode acontecer é-nos indiferente ou, mais sinceramente, até nos reconforta, isso sim, como um abraço de embalo, para que não se ponham por aí a arder como o sol e, sobretudo, não nos falem com uma alegriazinha ingénua, de tempo contado, e nos façam perceber o quanto éramos também ingénuos e nunca nos preparáramos para a derrocada de todas as coisas. nunca nos preparamos para a realidade. passamos a ser cidadãos terrivelmente antipáticos, mesmo que façamos uma gestão inteligente desse desprezo que alimentamos crescendo. e só não nos tornamos perigosos porque envelhecer é tornarmo-nos vulneráveis e nada valentes, pelo que enlouquecemos um bocado e somos só como feras muito grandes sem ossos, metidas dentro de sacos de pele imprestáveis que já não servem para nos impor verticalidade nem nas mais pequenas batalhas.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Receita de Leitura (19)


Dose de Amostra
No momento da partida, todos lá em casa choravam. Menos eu e a Olga. Não devia ser pelas mesmas razões. Olga nunca chorava, mesmo ao se queimar acendendo o fogo, ou se um espinho lhe rasgava a carne. Era uma moça dura, feita para mulher de colono de chitaca, obrigada a partir pedras e a desenterrar árvores seculares. Eu tinha vontade de chorar, mas os olhos estavam secos, cheios de visões de desertos. Antevia coisas? Sabia, a vida nunca mais seria igual. Acontecesse o que acontecesse, era um passo definitivo, um mudar de página. Há gente que não se apercebe de quebras de tempo ou de espaço. Ou de vida. Ali estava uma fenda tão grande como a Tundavala. Mas era uma fenda na minha vida. Adivinhava. Por isso os olhos secos. Lagrima-se quando um acontecimento tapa a visão, a dor domina o cérebro, as barreiras permanecem obscurecendo tudo. Então as águas saem, se soltam na escuridão. Quando uma pessoa adivinha o que está para vir, os olhos desfilam sobre desertos, pedras, planuras, florestas ou estepes, pinturas pontilistas, aquilo que se sabe estar perdendo corre mais rápido que o tempo. Sensação de perda, olhos na planície ondulando.

Pepetela, (2009), O Planalto e a Estepe , Lisboa, Dom Quixote.


Composição
O Planalto e a Estepe é um livro poderoso baseado em factos verídicos com princípios activos potenciadores de sensações fortes. Um estudante angolano e uma jovem mongol perdem-se de amores na Rússia comunista ultrapassando barreiras culturais. O mais recente livro do conceituado escritor angolano contém um amor proibido, racismo e preconceito, separação, sofrimento e redenção. Anos e mundos que afastam os protagonistas. Entre países e culturas, vencerá o amor?

Indicações
Recomenda-se a leitura de O Planalto e a Estepe a todos os amantes da leitura sem restrições. Os amantes da literatura lusófona experimentaram sensações de bem-estar. Leitores com gosto por prosas alicerçadas em factos históricos foram vistos a confirmar a objectividade da História nas páginas sofridas desta prosa. Viajantes encontraram conforto neste périplo que percorre continentes.

Precauções
Leitores românticos sentiram com frequência o coração a bater mais forte e uma lágrima teimosa a surgir. Continue a leitura neste caso, o amor tudo vence. Os fervorosos defensores do regime comunista da União Soviética devem ler este livro com restrições. Caso se sintam ruborizar de raiva devem suspender a leitura. Indivíduos defensores dos direitos humanos foram vistos com frequência de dedo em riste na defesa dos mesmos. A leitura não deve ser descontinuada. Em todas as situações a sintomatologia desvaneceu-se com o prazer da leitura. Leia sempre.

Outras apresentações
Se O Planalto e a Estepe lhe agradou mergulhe na obra vasta de Pepetela para outros registos e assuntos. Ler não tem contra-indicações.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Feliz Ano Novo

E aos sete dias de Janeiro de dois mil e dez, eis que o De mês em Quando renasce. Depois de um interregno, cá estamos para mais livros, leituras, imagens, poemas. Aqui ficam os desejos de um óptimo 2010 para todos. Pela minha parte desejo ardentemente que acabem as obras na nossa escola para que possamos também ter uma Biblioteca nova. Até lá há que manter o optimismo. Um bom 2010 então.