sábado, abril 28, 2007

O porco

O porco. De há uns dias a esta parte, o porco não me sai da cabeça. Dou voltas e mais voltas e ele lá continua. Há lá direito que tenham feito aquilo ao porco? Coitado do Zeca, pobre do Ruca! Coitadito do Carnaval da Vitória… Está mal! Não me conformo. Acho mal. Fiquei triste. Discordo e protesto! E foi isto, porque derrubando-me avidamente sobre um livro numa noite desta semana, não consegui ir deitar-me sem ler a ultiminha frase. A meio do livro, comecei a ganhar um certo rancor a Diogo, uma raivinha em crescendo ao homem, e afecto pelo bicho. É sabido que os porcos são animais inteligentes, têm capacidades de aprendizagem semelhantes às de uma criança de três anos, exceptuando a linguagem, pois claro, são afáveis e doces e se alimentados convenientemente não se tornam em bácoros obesos e tão-pouco são imundos, portanto, a consequência natural das letras desenhadas naquele livro seriam previsíveis: primeiro o encanto, depois o afecto e agora a revolta. Por isso, continuo a protestar: acho MAL! No fundo, no fundo, acho mal, mas acho natural. De que servirão os livros, se não ficarem em nós? Foi isso que aconteceu. Ora leiam lá e digam-me se ficariam indiferentes…


O meu agradecimento à minha colega Fátima Santos que me deu a conhecer Quem me dera ser onda de Manuel Rui.

imagem: Rachel Deacon, "Pig"

O livro está disponível na nossa Biblioteca/Centro de Recursos

terça-feira, abril 24, 2007

A luz dos Girassóis

Íamos já a descer as escadas para o bengaleiro, após um périplo algo demorado pela Neue Pinakothek, em que cada uma teve a oportunidade de se deleitar e fruir as obras a seu tempo, sem a pressão do que se tem de ver ou fazer. Uma visita a um museu quer-se tão demorada quanto o nosso interesse, sendo certo nem sempre o programa de viagem permite o que para uns será um luxo, para outros, uma necessidade.
É importante que tanto nas cidades como nos museus cada um de nós seja deixado a sós com tudo o que nos convida, a própria cidade, o quadro que nos chama, um monumento que nos encanta ou simplesmente o movimento das pessoas que passam numa cidade que se quer sua e que nós, meros visitantes, somos apenas dela por uma pequena parte de tempo, o tempo que lhe dedicámos.
E a Rita revelou-me, à medida que descíamos as escadas para recuperar as malas, malinhas e maletas, os casacos e cachecóis, que tinha gostado, é sabido que esta terá sido a pergunta que mais vezes formulei ao longo daqueles seis dias, e que tinha sentido uma coisa no peito quando viu os Girassóis de Van Gogh. Descansei e terei disfarçado um misto de emoção e de dever cumprido. De arte sei pouco, talvez apenas o que sinto. O que senti há umas duas décadas, quando, naquele mesmo museu me encontrei perante os Girassóis de Van Gogh, poderá ser assim definido, uma coisa no peito, um arrepio, uma faísca na alma. Quando a arte nos provoca emoções destas, vale a pena todo o esforço e vale a pena, mais uma vez, deixarmo-nos seduzir. Que assim seja sempre e que a Rita e todos nós tenhamos sempre coisas no peito. A vida só vale a pena assim.

foto: (minha) Os Girassóis, Neue Pinakothek, Munique


Este texto também pode ser lido aqui

segunda-feira, abril 23, 2007

Dia Mundial do Livro

William Shakespeare nasceu a 23 de Abril de 1564 e morreu a 23 de Abril de 1616, data em que também Cervantes se despediu do mundo. Vladimir Nabokov nasceu também a um 23 de Abril, alguns séculos mais tarde. Certamente a coincidência da data não terá sido alheia ao facto de ter sido escolhido o dia 23 de Abril pela Unesco como o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor.
Aqui no De mês em quando, a data não podia passar em vão. Afinal, uma grande parte dos posts deste blogue são dedicados a escritores, à escrita e aos livros, não estivesse também ele integrado na Biblioteca/ Centro de Recursos.
Não concebo a vida sem livros, não concebo uma casa sem livros e desconheço como será uma alma ausente de um qualquer livro. Na casa de meus pais, sempre houve muitos livros. Cresci com eles, aprendi a respeitá-los e a amá-los e recordo com ternura o início de cada ano lectivo em que o meu pai me encapava os livros escolares para que não se ferissem e as capas não se estragassem. Com ele, aprendi a folheá-los, a nunca lhes escrever a tinta, a respeitá-los e a lê-los com paixão, dedicação também extensiva à minha mãe. Serve isto apenas para dizer que o amor pelos livros se estimula, nasce pequenino e se desenvolve, como uma planta cuidada, com o entusiasmo da leitura e do saber. Apresento de seguida uma selecção de livros sobre livros ou livros, cuja acção se desenrola em torno dos livros, que continuam na minha vida mesmo depois de lida a última palavra.

Auto de Fé

Peter Kien, sinólogo e obcecado com a sua enorme biblioteca, desposa a empregada pelo carinho que dedicava aos seus livros. Cada vez mais alheado da realidade, a biblioteca torna-se a sua vida ou tornar-se-á a sua morte?

Os livros não são seres vivos, de acordo. Carecem de sensibilidade e , portanto, ignoram a dor tal como a sentem os animais e, provavelmente, também as plantas. Mas, quem é que já demonstrou a insensibilidade total do inorgânico? Quem sabe se um livro não será capaz de ter desejos, de uma forma que nos é estranha e que, por isso, não notamos, por outros livros com os quais conviveu durante algum tempo?

Elias Canetti, Auto de Fé, Livros do Brasil.

Elias Canetti foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1981.

Budapeste

José Costa, um escritor anónimo carioca, divide a sua vida escrevendo livros sem nunca assumir a autoria. Um dia, ao regressar de um congresso de escritores anónimos em Istambul, vê-se obrigado a pernoitar em Budapeste em virtude de um incidente de viagem e, seduzido pelo fascínio da língua magiar, começa a aproximar-se dela, da própria cidade e de Kriska. A narrativa flui entre cidades e mulheres, as línguas e os livros. José Costa torna-se Zsoze Kósta. E quem é Zsoze Kósta? Uma personagem ou o narrador? E Budapeste? Budapeste ou Budapeste? Uma cidade ou um livro?

Artistas, políticos e escroques famosos batiam à minha porta, mas eu me dava ao luxo de atender somente personagens tão obscuros quanto eu mesmo. Clientes que me lembravam aqueles da sala três por quatro do centro da cidade, exceto por serem ricos o suficiente para pagar o caché extorsivo que o Álvaro estipulava, além de custearem a tiragem do livro para distribuição entre parentes e amigos. Tipos como o velho criador de zebu dos cafundós do país, cujas memórias reescrevi com muito sexo, transatlânticos, cocaína e ópio, proporcionando-lhe algum conforto num leito de hospital.

Chico Buarque, Budapeste, Dom Quixote,

Budapeste foi galardoado em 2004 com o Prémio Jabuti, o mais importante e prestigiado prémio brasileiro de Literatura.

A Sombra do Vento

Cemitério dos Livros Esquecidos? Sim, Cemitério dos Livros Esquecidos, assim se chama o local onde Daniel Sempere foi levado pelo seu pai numa manhã de 1945. O livro que escolhe para que renasça do cemitério através da leitura vai alterar o curso da vida de Daniel. Um livro obrigatório para os bibliófilos, cheio de suspense e mistério com Barcelona em pano de fundo. Para que o mistério se mantenha, ficam apenas estas palavrinhas. Ler é bem melhor do que ouvir contar.

Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanham-nos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo — não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descubramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos —, vamos regressar.

Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento, Dom Quixote.


Carlos Ruiz Zafón foi vencedor do prémio Correntes d´Escritas 2007 com A Sombra do Vento.


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domingo, abril 22, 2007

Lisboa Cidade do Livro

Este ano o Dia Mundial do Livro irá ser assinalado em Lisboa de forma ímpar. A data marcará o início de um percurso assinalado com iniciativas diversas como encontros com escritores, conferências, colóquios e exposições e que culminará com a 77ª edição Feira do Livro de Lisboa. O programa é extenso e apelativo. Espreitem aqui. Difícil vai ser escolher, mas ler é como saber, não ocupa lugar, portanto, não fiquem em casa. Ler é mais!

quarta-feira, abril 18, 2007

Boas Notícias!

E a literatura de expressão portuguesa está mais uma vez de parabéns. Desta vez foi também um dos meu escritores preferidos o galardoado. Mia Couto foi o vencedor do Prémio União Latina de Literaturas Românicas.
Moçambicano, biólogo de formação, tem uma já vasta obra publicada, maioritariamente de contos, estórias com um cunho e uma prosa muito colorida e um linguajar único e expressivo. É também autor de Pensatempos, uma colectânea de discursos, nos quais se encontra a carta ao Presidente Bush e ainda de livros infantis. O seu último romance O Último Pé da Sereia marca um ponto de viragem na narrativa a que o escritor nos habituou, não deixando por isso de ser um romance arrebatador, que nos prende em três tempos diferentes distinguidos entre si também pela cor das páginas do livro.
Leitor e amante da literatura que se preze de o ser terá de ler pelo menos um livro de Mia Couto na vida, portanto, mais uma vez recomendo uma visita à nossa Biblioteca. Ler Mia Couto é uma experiência transformadora pela expressividade que consegue emprestar a esta nossa língua portuguesa que atravessou mares e nos une. Parabéns, Mia Couto!

terça-feira, abril 17, 2007

As melhoras!

Foi com apreensão que li que António Lobo Antunes está doente . A sua habitual crónica na revista "Visão" é de uma lucidez arrepiante, e mais uma vez, neste caso pelas piores razões, António Lobo Antunes nos faz sentir que a literatura não são apenas palavras escritas, letras desenhadas em carreirinhas umas a seguir às outras, são sentimentos e emoções que ficarão para sempre nas nossas memórias. Diz António Lobo Antunes O que farei daqui para a frente, se existir daqui para a frente? Livros, claro, foi para isso que me mandaram para o meio de vós*. Resta-me ter esperança e acreditar que muitos livros surgirão ainda daqui para a frente.


*A Crónica de António Lobo Antunes pode ser lida na íntegra na nossa Biblioteca/Centro de Recursos e no placard dedicado à Literatura e à divulgação de autores, da responsabilidade da patrona da Biblioteca, que se encontra no átrio para a entrada da Biblioteca e que este mês é dedicado a António Lobo Antunes. Boa leitura!

quarta-feira, abril 11, 2007

Numa livraria perto de si

aqui me confessei bulímica por livros. Posso passar sem comprar uma roupinha, sim, tenho um fraquinho por t-shirts, camisas, tops, um anel, pois, os meus anéis vêem-se à légua, um perfume, nunca se sabe que fragrância me vai apetecer usar cada dia que amanhece, mas não consigo passar sem um, dois, vá lá, três livrinhos e estou a ser muito modesta com este meu apetite devorador… Na verdade, nenhuma das minhas viagens fica completa sem uma visita a uma livraria do país onde me encontro. Essa é também uma forma de nos apercebermos dos hábitos de leitura de um povo e do apreço e valor que dão à leitura.
Munique não tem só museus, monumentos, ruas e praças bonitas, história e cultura, tem uma zona pedonal agradável e segura com lojas de um lado e de outro que faz as delícias de muita gente, e bem lá em baixo no Marienplatz uma livraria que é o meu desassossego. Seria capaz de lá passar um dia inteiro, perdida a folhear, ler, ver cheirar os livros acabados de imprimir. A
Hugendubel são cinco andares de livros, divididos por secções e andares, literatura infantil e juvenil, traduzida, de viagens, história, geografia, arquitectura, arte, turismo, acho que não há nada que falte ali, inclusivamente, um café no último piso e espaços para que os frequentadores possam saborear e escolher os seus livros. Como é esperado, não passei lá um dia, nem uma tarde sequer, havia muito para ver e fazer e não estava sozinha, quando se viaja acompanhado e se tem a nosso cargo dez pessoas manda a responsabilidade, respeito e bom senso que não se use o tempo olhando para o nosso umbigo, mas uma boa meia hora foi o suficiente para que no périplo pelos autores consagrados descobrisse dois livros do patrono da nossa Escola, José Saramago. Um deles estava bem visível, no corredor de passagem, o Ensaio sobre a Cegueira, e o outro, O Homem Duplicado, menos visível. Procurei uma senhora e pedi-lhe se podia tirar uma fotografia, o que vale é que aos turistas muito se perdoa, expliquei que era portuguesa e professora. A senhora foi uma simpatia e acrescentou que Saramago é muito procurado na livraria. Fiquei orgulhosa, claro está. Para que não restem dúvidas, aqui fica a prova.

fotos: minhas

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