Dose de Amostra
A minha estação de metro chama-se Patriotismo. Também há estações chamadas Ninos Heroes ou Constitución de 1917, além, claro, das que têm o nome de algum figurão desde os aztecas (Cuauhtémoc, Guerrero, Hidalgo, Juárez, Pino Suárez...). Os nomes mexicanos de ruas, cidades ou estações são, em si, patrióticos. E depois as estações como esta têm bancas de fritos e índios de chinelos.
Então desço as escadas, como se descesse ao submundo dos aztecas de agora, os incontáveis milhões que percorrem todos os dias as entranhas da cidade e, quando a corrente espessa e quente me apanha, deixo-me ir, sem pé. Um místico chamaria a isto o êxtase da dissolução. A humanidade a convergir por baixo da terra, pele com pele. Aqui faz calor e a religião não tapa. Os mexicanos têm muito corpo, sempre a sobrar.
E há ventoinhas que nos borrifam com água. Os letreiros são dos anos 70, descomunais. As bichas para os bilhetes desfazem-se num ápice. Cada viagem custa 18 cêntimos, e é porque aumentou este ano. O cais reluz de limpo, parece interminável e em menos de dois minutos fica repleto.
Nunca me senti tão alta entre tantas cabeças escuras, índios ou misturados de índios: os pobres. Só tenho uma palavra, e repito-a atónita, porque não me lembro de ter sido levada assim de enxurrada por um país. Comovente. O México é comovente. Se alguém falar comigo agora desato a chorar.
Alexandra Lucas Coelho, (2010), Viva México, Lisboa, Tinta-da-China.
Composição
Viva México é o relato vívido mas fiel de uma viagem ao país de Moctezuma e Zapata, Frida Kahlo e Diego Rivera, entre Junho e Julho de 2010. Ao longo de quase um mês, Alexandra Lucas Coelho, jornalista do jornal ‘Público’, percorreu o território mexicano, da Cidade do México ao Iucatão, passando por Ciudad Juárez e Oaxaca, e deixa-nos uma prosa escorreita e apaixonante.
Indicações
Recomenda-se Viva México a turistas e viajantes e a todos os amantes de uma boa viagem além-fronteiras. Os apaixonados por destinos distantes experimentaram melhoras evidentes no seu estado sombrio de humor invernoso. Viva México é muito bem tolerado por indivíduos curiosos por outras culturas e outros países e que não se satisfazem com as primeiras impressões apressadas de um país.
Precauções
Foram reportados casos de ligeira irritação em leitores à procura de paraísos estereotipados de coqueiros e mares esmeralda. Viva México mostra uma outra realidade e ultrapassa o cliché de margaritas e mariachi. Indivíduos sugestionáveis registaram episódios leves de ansiedade pelo apelo de um mundo distante e uma história fascinante e foram vistos a fazer as malas rumo à aventura. Suspenda a leitura por instantes, mas não desista. A privação de boas prosas pode causar síndrome de abstinência e levar o leitor a actos desesperados como tentar ler o livro do vizinho nos transportes públicos ou os primeiros folhetos publicitários que encontrar.
Outras apresentações
Se gostou da escrita de Alexandra Lucas Coelho, experimente um outro livro de viagens nesta mesma colecção, O Caderno Afegão. Se é amante de literatura de viagens aventure-se nos outros livros desta colecção e adentre o Japão, Nova Iorque ou Veneza. Viajar pode ser a distância entre o virar de páginas e o sonho. Leia sempre. Viaje mais.
Um boa leitura de férias!