Carteiros. Sempre vi algum encanto nos carteiros, uma espécie de Mercúrios contemporâneos trazendo novidades de casa a casa, e, mesmo que o correio electrónico tenha tomado conta de uma parte substancial das comunicações interpessoais escritas, continuo a admirar estes emissários que nos dias que correm abandonaram maioritariamente as caminhadas a pé e se deslocam em veículos motorizados. Duvido que este carteiro se deslocasse através de qualquer outro meio que não fossem os seus próprios pés, não sei se por fazer jeito à ideia romanceada de carteiro que me ocupa o imaginário, se por assim ser quando se lê um texto alheio e se lhe vão juntando peças e preenchendo os espaços naturalmente deixados em branco por quem escreve para quem lê.
A pé ou de motociclo, a verdade é que este era um carteiro especial. Maldizia o peso dos livros e, certo dia, encetando conversa com o narrador em virtude da quantidade de livros que lhe deixava, descobriu para seu desencanto que não, o destinatário de todas as cartas e livros não os lia sempre e nem os lia completamente e que, além da falta pela ausência de leitura, redistribuía as encomendas por amigos, assim mesmo, se lhes ler o miolo, vocábulo usado para o conteúdo dos livros. Delicioso. O carteiro não se conformava. Como não ler? Se entrega, tem de ler. A não leitura constituía um pecadilho imperdoável, um desrespeito para com o remetente. O narrador não cede e argumenta que para o escritor é igual a leitura ou não das obras colocando um ponto final na contenda e postulando lacónico que o esvaziamento de alma a que a escrita obriga será por si só suficiente. O carteiro riposta, o narrador riposta, o carteiro surpreende o narrador com uma revelação velada acerca do ofício que lhe preenchia a vida além dos afãs de carteiro, apontando na direcção de outro carteiro também a braços com um escritor de renome, Pablo Neruda. Se Carlos Drummond de Andrade esvaziou a alma não se deixa adivinhar, espero, não obstante, que sim, a contrapartida mais do que merecida para a crónica brilhante com que nos brinda, uma das muitas que habitam nas páginas de Boa Companhia.
A pé ou de motociclo, a verdade é que este era um carteiro especial. Maldizia o peso dos livros e, certo dia, encetando conversa com o narrador em virtude da quantidade de livros que lhe deixava, descobriu para seu desencanto que não, o destinatário de todas as cartas e livros não os lia sempre e nem os lia completamente e que, além da falta pela ausência de leitura, redistribuía as encomendas por amigos, assim mesmo, se lhes ler o miolo, vocábulo usado para o conteúdo dos livros. Delicioso. O carteiro não se conformava. Como não ler? Se entrega, tem de ler. A não leitura constituía um pecadilho imperdoável, um desrespeito para com o remetente. O narrador não cede e argumenta que para o escritor é igual a leitura ou não das obras colocando um ponto final na contenda e postulando lacónico que o esvaziamento de alma a que a escrita obriga será por si só suficiente. O carteiro riposta, o narrador riposta, o carteiro surpreende o narrador com uma revelação velada acerca do ofício que lhe preenchia a vida além dos afãs de carteiro, apontando na direcção de outro carteiro também a braços com um escritor de renome, Pablo Neruda. Se Carlos Drummond de Andrade esvaziou a alma não se deixa adivinhar, espero, não obstante, que sim, a contrapartida mais do que merecida para a crónica brilhante com que nos brinda, uma das muitas que habitam nas páginas de Boa Companhia.
Imagem: Van Gogh
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