Dose de Amostra
Dei então por mim a conversar com o cão, sempre que estávamos sós. Digo bem: conversar. Porque se ele nunca chegava, como pretendia, à enunciação, não tenho dúvida de que compreendia a humana fala. Pelo menos a nossa. Falava-lhe das caçadas que podíamos ter feito e não fizemos. Tentei explicar-lhe a magia da pesca, mas isso foi coisa que ele nunca aceitou. Quando voltei a caçar, normalmente na companhia do meu filho do meio, contava-lhe as proezas de cada um. Também lhe falava de versos, é verdade,como às vezes não tinha ninguém a quem ler de imediato um poema acabado de escrever, lia-o ao cão. Ele gostava. Não sei se do poema. Mas de que lho lesse. Ou do ritmo, do som, fosse do que fosse. Não que uivasse como com a música de Albeniz. Mas creio que ele também gostava da música da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas de literatura.
Manuel Alegre, (2002), Cão como Nós, Lisboa, Caminho.
Dei então por mim a conversar com o cão, sempre que estávamos sós. Digo bem: conversar. Porque se ele nunca chegava, como pretendia, à enunciação, não tenho dúvida de que compreendia a humana fala. Pelo menos a nossa. Falava-lhe das caçadas que podíamos ter feito e não fizemos. Tentei explicar-lhe a magia da pesca, mas isso foi coisa que ele nunca aceitou. Quando voltei a caçar, normalmente na companhia do meu filho do meio, contava-lhe as proezas de cada um. Também lhe falava de versos, é verdade,como às vezes não tinha ninguém a quem ler de imediato um poema acabado de escrever, lia-o ao cão. Ele gostava. Não sei se do poema. Mas de que lho lesse. Ou do ritmo, do som, fosse do que fosse. Não que uivasse como com a música de Albeniz. Mas creio que ele também gostava da música da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas de literatura.
Manuel Alegre, (2002), Cão como Nós, Lisboa, Caminho.
Composição
Cão como Nós de Manuel Alegre é uma novela sobre um cão, Kurika de seu nome, que fez parte integrante da família Alegre durante muito tempo e que, ao partir, deixou saudades profundas e este pequeno livro escrito pela mestria e sensibilidade do autor.
Cão como Nós de Manuel Alegre é uma novela sobre um cão, Kurika de seu nome, que fez parte integrante da família Alegre durante muito tempo e que, ao partir, deixou saudades profundas e este pequeno livro escrito pela mestria e sensibilidade do autor.
Indicações
Este livro está indicado para os devotos incondicionais de animais, especialmente de cães. Indivíduos com gosto por leituras breves mas carregadas de sensibilidade observaram significativas melhoras com a leitura deste livro. Está indicado para quem quiser conhecer uma outra faceta do autor, longe da poesia e do romance e quem tiver curiosidade sobre as vidas quotidianas do(s) escritor(es).
Precauções
Indivíduos obcecados por estereótipos em busca de um tratado sobre o comportamento canino devem ler este livro com muitas reservas, uma vez que no composto activo está presente um cão atípico, desobediente, e com manias de humano. Podem verificar-se pontualmente episódios de tristeza. Descontinue a leitura imediatamente, caso comece a chamar pelo Kurika, a esperá-lo pela calada da noite ou a deixar-lhe uma tigela com água. Podem ocorrer ocasionalmente ataques súbitos de carinho e ter vontade de se agarrarao pescoço dos caninos.
Posologia
Não foram reportados efeitos de sobredosagem. A leitura continuada potencia os efeitos positivos e uma segunda ou terceira leitura prolonga o bem-estar e estimula a imaginação.
Outras apresentações
Como complemento sugere-se a leitura de Amados Cães e de Amados Gatos de José Jorge Letria e Gatos e mais Gatos da mais recente laureada com o Prémio Nobel da Literatura, Doris Lessing.
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