sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Na rota dos livros

Esta notícia, que percorreu a blogosfera e a que os bibliófilos não ficaram indiferentes, ofereceu-me um belíssimo roteiro apadrinhado pelo sonho e alimentado por duas das minhas preferências: viagens e livros.
Por exemplo, podia ir daqui ao Porto, para visitar a Lello, e com a quantidade de voos low cost a sair da Invicta não seria nada difícil partir para outro local da Europa. Talvez Glasgow, muito embora a livraria me deixe algumas dúvidas. Depois seguiria para Bruxelas, para espreitar a Posada, até porque não encontro uma imagem e sou um espírito curioso. A cidade seguinte seria Maastricht. A Boekhandel Selexyz Dominicanen é um deleite também pela simbologia da religiosidade e espiritualidade que os livros podem encerrar. Depois de me refazer de tanta beleza, rumaria decididamente a sul numa das minhas ansiadas viagens: Buenos Aires, que obviamente depois desta descrição, ficou decididamente inscrito no meu roteiro de viagens futuro, espero que não muito. De volta, e porque não estamos longe, daria uma saltadinha fugaz à mais bela cidade do mundo, o Rio de Janeiro e entre coisas várias e tão simples como uma água de coco no Calçadão de Ipanema com o Morro Dois Irmãos do meu lado direito se contemplasse o Atlântico ou o Cristo Redentor a erguer-se no morro se voltasse a costas ao mar, difícil é escolher a vista na Cidade Maravilhosa, iria direitinha à Livraria da Travessa na Visconde de Pirajá, para celebrar o meu primeiro livro comprado em terras de Vera Cruz. Voltaria depois a casa, a mala prenhe de livros e a alma a transbordar. Sentar-me-ia por aqui a empanturrar-me de livros e a digerir tanta beleza. Sonhar não custa.

Imagem daqui

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Receita de leitura (5)

Nefertiti: seu olhar de pedra parado há milénios, esfíngico. Uma mosca pousara no ombro de Nefertiti, porque no ângulo do seu ombro corria uma brisa soprada pela ventoinha suspensa do tecto, na sala 48 do Museu do Cairo. Seu olhar lazúli olhava-me, sereno, sem curiosidade nem medo - um olhar quieto e líquido. Duas da tarde, no Museu do Cairo. Pelas janelas de ripas de madeira chegava o rumor espesso da rua. Catorze milhões de egípcios dormiam nas sombras e nos passeios das ruas do Cairo, esperando a passagem sofrida das horas do calor e do Ramadão. Duas da tarde, catorze milhões, 36 graus à sombra.
Uma gota de suor escorria agora da testa de Nefertiti. Lentamente tirei o lenço do bolso das calças e limpei-a. Não sabia que as estátuas transpiravam. Imaginava-as frias e suaves na sua placidez de pedra e ónix. Mas nunca vira o Cairo em Abril, quando o sufoco quieto do ar traz apenas uma leve, longínqua lembrança, do restolhar líquido do Nilo.
O Nilo – o rio mais longo e mais belo do mundo. Tudo começa e acaba neste nome de duas sílabas.


Miguel Sousa Tavares, (2004), Sul, Lisboa, Oficina do Livro.

Composição
Sul é uma compilação de crónicas de viagem de Miguel Sousa Tavares coligidas num só volume. Longe dos roteiros habituais e do estilo dos guias de viagem comuns, Sul leva-nos por paragens aquém e além fronteiras, sempre com a escrita escorreita do escritor e a sua forma única de ver o mundo.

Indicações
Sul está recomendado para os amantes de paragens longe da porta de sua casa, e para os apreciadores de uma boa prosa. É muito bem tolerado por todo o tipo de viajantes: os de mochila às costas, os sofisticados que não passam sem o hotel de cinco estrelas, os amantes de aventuras, os curiosos de culturas diferentes e os que sentados no sofá viajam através de imagens e leituras diversas sobre o mundo lá fora.

Precauções
Não se aconselha a leitura de Sul a indivíduos inquietos e com vontade acentuada de partir mundo afora. Caso tenha episódios recorrentes de tédio perante o quotidiano e seja acometido com frequência do ímpeto de galgar fronteiras e países, deve ler o livro com algumas reservas. Se der consigo à procura de folhetos de viagens e informações sobre os locais a visitar ou num estado absorto a banhar-se no Índico ou contemplando Nefertiti no Museu do Cairo deve abrandar a leitura para evitar danos maiores.

Posologia
Deve ser lido ao rimo de cada leitor, não obstante, recomenda-se uma leitura tranquila e pausada para melhor saborear cada viagem.

Outras apresentações
Se experimentou bons resultados com Sul, recomenda-se a leitura de outros relatos de viagens ou a continuação da escrita de Miguel Sousa Tavares com Equador.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Who shot Shakespeare?

Hoje foi dia de Teatro na nossa Escola. A cargo do sexto Departamento, o Departamento de Inglês e Alemão, a iniciativa trouxe à nossa Escola o grupo de teatro Interacting, com a peça "Who shot Shakespeare?". A peça era um casamento perfeito entre o CSI com intriga e mistério e as peças do grande dramaturgo inglês, tudo envolto com muito humor e uma belíssima actuação a que os alunos não escaparam. Aqui ficam as imagens possíveis e a esperança de que para o ano haja mais.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Correntes d´Escritas

Está a decorrer na Póvoa do Varzim mais uma edição do Correntes d´Escritas. Logo no início, o escritor Ruy Duarte de Carvalho foi distinguido pela obra Desmedida com o Prémio Literário Casino da Póvoa. Conta com a presença de mais de sessenta escritores do mundo lusófono e ibero-americano e, à semelhança de edições anteriores, haverá debates, colóquios, conferências, encontros com os leitores e lançamento de livros. A não perder, portanto. E para mais saber sobre Correntes d´Escritas, sugere-se a visita ao Bibliotecário de Babel, um dos blogues obrigatórios para os amantes de livros.

Bob Marley

Menos vetusto do que Padre António Vieira estaria Bob Marley que, se não tivesse partido tão cedo, teria feito sessenta e três anos no mesmo dia, nem por sombras a bonita idade que o Padre António Vieira atingiu, embora ambos tivessem respirado o ar saudável dos trópicos. Tal como o Padre António Vieira também era um defensor dos direitos humanos e tinha jeito com as palavras, mais cantadas, é certo, mas algumas letras são hinos que ficam e ficaram ao longo das décadas. E como seria hoje Bob Marley aos sessenta e três anos? Seria uma espécie de Keith Richards com dreadlocks grisalhos? Ou mais como Mick Jagger? Continuo a imaginá-lo cheio de charme e magro, o sorriso de sempre –adoro sorrisos genuínos- como mais uma vintena de filhos pelo caminho e a brindar-nos com muito mais música, mais letras e mais hinos. Uma pena ter partido tão cedo. E porque acho que Bob Marley jamais gostaria de ser lembrado com pesar, comemoremos com música.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Festival de Cinema na Saramago

Depois da Bolomania, chegou a vez do Cinema à nossa Escola. Desta feita a iniciativa é da responsabilidade do grupo Clã, da Área de Projecto do 12º H, composto pela Irina Batalha, Inês Coelho, Fábio Branco e Rita Jorge. O Festival de Cinema irá decorrer de 18 a 21 do corrente mês de Fevereiro, já para a semana, portanto, no Auditório da nossa Escola, e cada dia vai ser dedicado a um género diferente. A segunda-feira, dia 18, está indicada para os amantes do musical, uma vez que vai ser exibido Moulin Rouge, já na terça-feira, podem vir os amantes da comédia e os apreciadores dos Monty Python e, na quarta, podemos ver ou rever um belíssimo filme com e de Roberto Benigni, A Vida é bela. Muita diversidade, como se vê, tal como eles idealizaram. Desta forma ninguém ficará de fora. Agora só falta aparecerem! Parafraseando e adaptando livremente uma das linhas que ficaram célebres de um dos mestres do cinema, Alfred Hitchcock, despeço-me Until then, good-bye! Já sabem, de 18 a 21 na nossa Escola.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Receita de leitura (4)

Dose de Amostra

Escrevo num computador instalado num móvel polido que tem uma prateleira que se puxa. Muito vulgarizados, tais móveis podem encontrar-se em qualquer loja informática das grandes. Menciono este dado pessoal porque ele estabelece o cenário de desconfortáveis ocorrências, há pouco mais duma hora, aqui no meu escritório. Possuir um móvel destes não é coisa de que alguém se gabe, e eu preferiria ocultar o facto, se não fosse necessário confessá-lo.
Estava a premir a tecla F 11, quando um homenzinho magro, de fato escuro completo e chapéu fora de moda emergiu atrás do teclado e começou a fazer esforços para se içar para o tampo superior, onde se agigantam monitor e impressora. Levantava os braços, numa gesticulação que me pareceu desesperada e dava grandes saltos, em cima da consola. Calçava sapatos ferrados que tiravam do plástico x sons fortes lembrando bicadas repetidas de catatua.
Não foi esta a primeira vez que me vi assediado por personagens. Acontecia-me, não raro, quando ia passear para o Jardim Constantino, depois do jantar, em certos plenilúnios. Saíam-me ao caminho por detrás das árvores e quase sempre eram mais altas e encorpadas do que eu.

Mário de Carvalho, (2000), Contos Vagabundos, Lisboa, Caminho.

Composição
Contos Vagabundos é uma colectânea de contos de Mário de Carvalho, datada de 2000, que canta as desventuras e aventuras de gente comum, os heróis do quotidiano, sem feitos valorosos nem conquistas gloriosas.

Indicações
Contos Vagabundos está indicado para os apreciadores de existências simples mas carregadas de peripécias cómicas e bem-humoradas. Observaram-se significativas melhoras em indivíduos que associam a literatura e escritos soturnos, depressivos e longos e que eram acometidos de ataques de rejeição da leitura, não podendo usufruir dos benefícios e prazer encerrados nas páginas de um livro.

Precauções
Este livro está desaconselhado a indivíduos com fixação em escritas despojadas de vocabulário rico e órfãos de fantasia. Podem verificar-se pontualmente episódios de irritação e fúria em indivíduos sem sentido de humor e obcecados pela verosimilhança na literatura. A leitura deve ser imediatamente descontinuada, se começar a procurar as personagens atrás do computador.

Posologia
Desconhecem-se efeitos de sobredosagem. Para beneficiar das potencialidades da leitura não deve descontinuá-la nunca.

Outras apresentações
Se foram observados efeitos de bem-estar com Contos Vagabundos, sugere-se uma incursão mais profunda na obra de Mário de Carvalho. Aos amantes da cidade de Lisboa recomenda-se a leitura de Casos do Beco das Sardinheiras com a maior brevidade, de forma a prolongar o efeito de bem-estar já observado com Contos Vagabundos.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Imperador da língua portuguesa

Padre António Vieira
6 de Fevereiro de 1608 - 6 de Fevereiro de 2008


Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, perversisque cupidítatibus facit sunt veluti pisces invicem se devorantes: Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes, Lisboa, Editorial Nova Ática.

Imagem daqui