sexta-feira, abril 18, 2008

Receita de leitura (6)

Logo a abrir, apareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade de navegar. Não me admiro: sempre que me sinto em alturas de abranger o mundo, no pico dum miradouro ou sentado numa nuvem, vejo-te em cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro, e até a brisa que corre me sabe a sal. Há ondas de mar aberto desenhadas nas tuas calçadas; há âncoras, há sereias. O convés, em praça larga com uma rosa-dos-ventos bordada no empedrado, tem a comandá-lo duas colunas saídas das águas que fazem guarda de honra à partida para os oceanos. Ladeiam a proa ou figuram como tal, é a ideia que dão; um pouco atrás, está um rei-menino montado num cavalo verde a olhar, por entre elas, para o outro lado da Terra e a seus pés vêem-se nomes de navegadores e datas de descobrimentos anotados a basalto no terreiro batido pelo sol. Em frente é o rio que corre para os oceanos. Ladeiam a proa ou figuram como tal, é a ideia que dão; um pouco atrás, está um rei-menino montado num cavalo verde a olhar, por entre elas, para o outro lado da Terra e a seus pés vêem-se nomes de navegadores e datas de descobrimentos anotados a basalto no terreiro batido pelo sol. Em frente é o rio que corre para os meridianos do paraíso. O tal Tejo de que falam os cronistas enlouquecidos, povoando-o de tritões a cavalo de golfinhos.

José Cardoso Pires, (1997), Lisboa, Livro de Bordo, Lisboa, Dom Quixote.

Composição

Lisboa Livro de Bordo é um livro do escritor José Cardoso Pires sobre a cidade de Ulisses, onde o seu olhar sobre a cidade se desenha a cada página. O livro foi escrito para uma série sobre a cidade de Lisboa a pedido da edilidade, tendo sido o primeiro da série.

Indicações
Este livro está recomendado para os amantes da cidade de Lisboa, para os curiosos e para qualquer leitor em geral que aprecie um bom livro, sem pretensões a romance. É muito bem tolerado pelos interessados sobre a cidade que procuram o casamento perfeito entre alguns dados factuais e a vivência da própria cidade, povoada pelo seu encanto e diversidade, pelos seus poetas e escritores, por alfacinhas e forasteiros.

Precauções
Está desaconselhada a leitura aos amantes de romance e de prosas longas. Os amantes da cidade de Lisboa observaram melhoras evidentes, mediante a forma lisonjeira com que a cidade é sentida e descrita. Caso seja um ávido leitor de não ficção deve estar atento aos sinais, uma vez que o tom poético da escrita pode desviar, por instantes, o percurso factual e causar-lhe distúrbios. Deve descontinuar a leitura se ficar absorto e errante entre o miradouro da Graça e o Terreiro do Paço, a observar o rendilhado dos calceteiros ou a glorificar a luz de Lisboa em momentos de trabalho intenso.

Posologia
Deve ser lido de uma assentada, como um dia de passeio por Lisboa, e relido momentos mais tarde para melhor apreciar a intensidade das palavras e familiarizar-se com a vida da e na cidade de Ulisses. Desconhecem-se efeitos secundários. A leitura não tem efeitos nocivos.

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