quarta-feira, abril 23, 2008

Receita de Leitura (7) - Especial Dia Mundial do Livro

Dose de Amostra

Salpicando os corredores e plataformas da biblioteca perfilava-se uma dúzia de figuras. Algumas delas voltavam-se para cumprimentar de longe, e reconheci os rostos de diversos colegas do meu pai do grémio de alfarrabistas. Aos meus olhos de dez anos, aqueles indivíduos afiguravam-se uma confraria secreta de alquimistas a conspirar nas costas do mundo. O meu pai ajoelhou-se ao pé de mim e, sustendo-me o olhar, falou-me com aquela voz leve das promessas e das confidências.
— Este lugar é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte. Há já muitos anos, quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui, este lugar já era velho. Talvez tão velho como a própria cidade. Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe, ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, os que conhecemos este lugar, os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui. Neste lugar, os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito.

Carlos Ruiz Zafón, (2004), A Sombra do Vento, Lisboa, Dom Quixote

Composição
A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafón conta a história de Daniel Sempere que, numa manhã misteriosa, é levado pela mão de seu pai a um local enigmático: o Cemitério dos Livros Esquecidos. Daniel recolhe um livro que altera o rumo da sua vida e vai-nos guiando freneticamente pela Barcelona da primeira metade do século XX.

Indicações
A Sombra do Vento está indicado a indivíduos com grande imaginação, amantes de fantasia, mistério e de histórias de amor arrebatador. É muito bem tolerado pelos bibliófilos e apreciadores de romances longos com travos suaves de romance policial. Indivíduos interessados em História e na cidade de Barcelona observaram francas melhoras no seu estado geral. Ao contrário de outros livros, o prazer da leitura intensifica-se logo após a leitura das primeiras páginas.

Precauções
Indivíduos com preferência acentuada por narrativas breves e lineares não devem ler este livro. Podem verificar-se episódios pontuais de ansiedade, enquanto a trama se adensa e o ambiente gótico paira sobre o romance. Se sentir impulso de procurar o Cemitério dos Livros Esquecidos ou desejo de deambular por Barcelona na senda dos mistérios que envolvem a intriga deve descontinuar a leitura por breves momentos para regressar ao quotidiano.

Posologia
Estudos comprovam que a leitura diária aumenta o efeito de bem – estar generalizado e produz anticorpos contra a agrura do dia-a-dia.

Advertência
Os princípios activos contêm substâncias enigmáticas e apaixonantes que podem provocar dependência. Se der por si a contar os minutos para regressar ao livro ou a abdicar das horas diárias de sono para se embalar n´A Sombra do Vento, deve abrandar a leitura, sob pena de, tal com Daniel Sempere, ver a sua vida alterada por um livro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Assim foi, assim é.
Acabei de ler El Juego del Angel há momentos.
Como em La Sombra del Viento só com muita dificuldade consegui parar de o ler. Embora o tivesse desde 4 de Maio, não o comecei enquanto não pude dispôr de algum tempo livre, pois já sabia o que ia acontecer-me.
Oxalá goste tanto como eu gostei.

LBarros disse...

Obrigada pelo comentário. Só agora o vi. Vou ler O Jogo do Anjo quanto antes. Já tenho a versão portuguesa.