Dose de AmostraA Feira do Livro é estar sentado debaixo de um guarda-sol às listras a dar autógrafos e a comer os gelados que a minha filha Isabel me vai trazendo de uma barraquinha três editoras adiante, preocupada com as atribulações de um pai suado, de repente da idade dela, a escrever dedicatórias, de língua de fora, numa aplicação escolar. Isto não é uma queixa: gosto das pessoas, gosto que me leiam, gosto sobretudo de conhecer as pessoas que me lêem e me ajudam a sentir que não lanço ao acaso do mar garrafas com mensagens corsárias que não se sabe onde vão ter, e gosto dos romances que escrevi. Tenho orgulho neles e tenho orgulho em mim por ter sido capaz de os fazer. De modo que ali estou, satisfeito e tímido, acompanhado pelo Nelson de Matos que me pastoreia com paciência, com uma placa com o meu nome e as capas em leque à minha frente, um pouco como a sensação de vender bijuterias marroquinas nos túneis do Metropolitano do Marquês ou fatos de treino fosforescentes na Feira do Relógio, que os leitores folheiam, compram, me estendem para o selo branco, e eu em lugar de lhes explicar obsequioso e seguro que os livros não debotam nem encolhem na máquina limito-me por falta de vocação cigana a pôr a etiqueta lá dentro
(Deus sabe o que me apetece às vezes assinar Hermes ou Valentino)
e a devolvê-los com o sorriso lojista de quem garante qualidade e boa malha.
António Lobo Antunes, (1998), Livro de Crónicas, Lisboa, Dom Quixote.
Composição
Livro de Crónicas de António Lobo Antunes é uma mescla de crónicas datada de 1998. Neste primeiro volume de crónicas as deambulações situam-se no quotidiano e nas existências de gente comum em que algumas facetas do escritor transparecem e ele próprio se nos revela.
Indicações
Recomenda-se a leitura a indivíduos com gosto pela leitura de estórias urbanas e apreço pelos pequenos enredos que tecem o dia-a-dia de que as vidas são feitas. Livro de Crónicas aconselha-se aos amantes de uma prosa bem escrita, carregada e emoções e simultaneamente salpicadas com o olhar bem-humorado e lúcido sobre a realidade. Os apreciadores de registos autobiográficos e estórias bem contadas observaram francas melhorias, bem como os curiosos pelo escritor e a pela sua vida. Está também aconselhado aos leitores que se sentem excluídos pela prosa de António Lobo Antunes e com fortes sentimentos de incapacidade perante a leitura do consagrado escritor.
Precauções
Livro de Crónicas está altamente desaconselhado aos puristas da língua portuguesa. Podem ocorrer ataques de fúria ao ler a prosa fragmentada e polifónica. Recomenda-se parcimónia na leitura aos fervorosos defensores das regras gramaticais e adeptos incondicionais de pontuações tradicionais. Caso se sinta ruborizar de raiva com as letras minúsculas frequentes no início das frases ou se encontre involuntariamente de lápis na mão a corrigir o livro, deve parar de imediato a leitura.
Posologia
Indivíduos que consideram António Lobo Antunes impenetrável e de leitura difícil devem iniciar a leitura com tranquilidade em dias de lazer e remanso. Todos os que procuram em vão penetrar na obra do consagrado escritor devem encetar a incursão pelo Livro de Crónicas quanto antes, sempre ao ritmo do prazer que só a leitura de grandes livros proporciona.