quinta-feira, dezembro 18, 2008

Receita de Leitura (11)

Dose de Amostra
Gabriela encolheu-se, perdida. Por que seu Nacib se zangara? Estava zangado, virado de costas, sem tocá-la sequer. Sentia falta do peso de sua perna na anca. E dos carinhos habituais, da festa no leito. Estaria zangado por Tuísca ter-se contratado de artista sem consultá-lo? Tuísca era parte do bar, ali tinha sua caixa de engraxate, ajudava nos dias de muita freguesia. Não era com Tuísca, não, que ele estava zangado. Era com ela. Não a queria no circo, por quê? Queria levá-la pra ouvir doutor na sala grande da intendência. Gostava não! No circo podia ir com os velhos sapatos onde cabiam seus dedos esparramados. Na intendência tinha de ser vestida de seda, de sapato novo, apertado. Toda aquela lordeza reunida, aquelas mulheres que a olhavam de cima, que riam dela. Gostava não. Por que seu Nacib fazia tanta questão? No bar ele não a queria, tanto ela gostava de ir... Tinha ciúmes, era engraçado. Não ia mais, fazia a vontade, não queria ofendê-lo, tomava cuidado. Mas por que obrigá-la a fazer tanta coisa sem graça, enjoada?

Jorge Amado, (2001), Gabriela, Cravo e Canela, (1ª edição 1958) Rio de Janeiro, Record.

Composição
Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado é um dos romances indispensáveis de grande escritor baiano e uma obra fundamental para quem quiser mergulhar na Bahia. O romance comemora este ano o seu cinquentenário de publicação e contém princípios activos de grande efeito sobre os amantes da leitura e da vida: amor, desejo, poder, traição, vingança.

Indicações
Este livro está indicado para todos os que se maravilharam com Gabriela, a primeira telenovela brasileira a ser exibida em Portugal. O livro oferece uma viagem mais profunda e densa que não ficou esgotada na versão televisiva. Indivíduos que não viram a telenovela devem ler este livro, sob pena de perderem uma das prosas mais sensuais da literatura de expressão portuguesa. É muito bem tolerado por quem gosta de viajar no tempo, tem ao seu dispor Ilhéus nas primeiras décadas do século XX, e para quem gosta de outras paragens, Ilhéus espera-o. Ainda resiste a esta viagem?

Precauções
Gabriela, Cravo e Canela está desaconselhado a leitores sugestionáveis capazes de sentir o aroma do cravo de Gabriela. Se experimentar uma vontade imperiosa de ajustar contas com os Coronéis deve parar a leitura. Pode sentir ocasionalmente as personagens a chamarem-no. Respire fundo, são só personagens. Indivíduos lineares ou moralistas podem ser acometidos episódios de ansiedade, o romance é rico em assuntos, personagens e perspectivas, sempre envolto numa prosa apaixonante.

Outras apresentações
Para um efeito melhorado sugere-se a leitura posterior de outras obras do mesmo autor. Atire-se sem receio a Capitães da Areia ou conheça Iemanjá, a Senhora dos Mares, em Jubiabá ou Mar Morto. Caso se mantenha o entusiasmo, passeie-se nas páginas de Zélia Gattai, mulher do escritor.

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