quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Receita de Leitura (20)

Dose de Amostra
Uma noite, há uns dez anos, abri a porta de um elevador, no prédio em que vivo, e descobri duas minúsculas camas arrumadas, com grande esforço, no seu interior. Pendurada numa das paredes havia uma imagem da Virgem Maria, dragão aos pés, e do lado oposto uma fotografia colorida do rapper 50Cent, em tronco nu, pesada cruz de ouro a pender-lhe do largo pescoço de boi, apontando uma pistola à cabeça da Virgem Maria. Estendidos na cama estavam dois rapazes idênticos, muito, muito pequenos, um deles em bermudas de linho cru, bela camisa do tipo havaiana, e o outro envergando um elegante fato azul-escuro, camisa rosa, fina gravata negra. Cumprimentei-os estupefacto:
- Perdão - consegui dizer. - Isto não é um ascensor?
O jovem de fato azul sorriu-me com deferência:
- Foi, sim, meu pai. Agora é habitação.
O outro corroborou, divertido:
- Antigamente subia e descia. Actualmente só desce. Podemos chamar-lhe um descensor. Uma máquina concebida para aqueles que pretendam descer na vida.

José Eduardo Agualusa, (2009), Barroco Tropical, Lisboa, Dom Quixote.


Composição
Luanda, 2020. Bartolomeu Falcato, cineasta e escritor, e a sua amante Kianda, uma cantora de gabarito internacional presenciam uma cena inédita numa noite de tempestade tropical: uma mulher nua, negra e de braços abertos, cai do céu. E seguem-se páginas intensas numa realidade distópica, entre o absurdo e o abismo, na tentativa de desvendar o mistério. Que Luanda é aquela?

Indicações
Barroco Tropical está indicado para todos os leitores curiosos e ávidos de conhecer realidades díspares e distantes. Os amantes de prosas imaginativas, com laivos de fantasia ficaram globalmente satisfeitos pelas aventuras fantásticas de Luanda em 2020. Leitores atentos e socialmente preocupados encontraram nestas páginas a inquietação emanante de todos os textos poderosos e de todas as realidades prenhes de injustiça.

Precauções
Barroco Tropical deve ser lido com precaução por indivíduos românticos à procura dos pores-do-sol nostálgicos da Baía de Luanda. Nestas páginas não há concessões à felicidade perdida nem esperança numa harmonia vindoura. Os amantes de prosas simples sentiram alguma dificuldade em seguir o percurso das personagens em número superlativo e ficaram pontualmente petrificados com o Medo. Leitores inquietos experimentaram o fervilhar de uma cidade dividida entre ricos e pobres. Deve abrandar a leitura caso se sinta a subir à Termiteira ou à procura do Centro de Saúde Mental Tata Ambroise. Os amantes da leitura em geral sentiram a satisfação de estar perante um bom livro, cujas páginas perduram mesmo depois de devolvidos à estante.

Outras apresentações
Se José Eduardo Agualusa passou a fazer parte dos seus escritores preferidos, não hesite e procure outras leituras. O escritor é profícuo e possui uma vasta obra em que mostra também a sua faceta de contista. Ler vale sempre a pena. Ler liberta a alma.

Sem comentários: