quarta-feira, setembro 22, 2010

Manifesto

É que não são só as palavras, não é apenas o miolo, não conta simplesmente o diálogo entre as personagens e o leitor, por vezes entre o escritor e o leitor. Não é o que se lê, o que sente, o que emociona e enfurece. É o objecto. As centenas de páginas agarradas umas às outras, as capas coloridas, o cheiro, sim, um cliché, eu sei. O texto na contracapa, as palavras insossas nas badanas. O prazer de o abrir e espreitar. Um livro não é apenas palavras. Um livro é uma companhia. E são muitos os que me acompanham casa fora. Os que repousam caoticamente no chão ao lado da minha mesa-de-cabeceira, os que me colorem as estantes cá de casa, os que se espalham por aqui e ali. E depois o prazer. A procura. Os momentos em frente das estantes Estava aqui, guardei-o aqui, tem de estar por aqui. A tranquilidade de horas a folheá-los na senda do excerto perdido, a curiosidade dos minutos à procura de uma novidade entre as páginas, a certeza de se encontrar sempre algo novo. A partilha Olha aqui, o que encontrei. E as memórias Este comprei-o em Salvador, lembras-te? Um pedaço de história de vida encerrada em páginas e lombadas carinhosamente preservado como testemunho de momentos felizes Foi o primeiro livro que comprei no Rio. Os presentes e quem os ofereceu. São os autógrafos dos escritores,as letras desenhadas à sombra dos jacarandás com o Tejo em fundo. E andar com eles na carteira ou entre os dossiers. E são isto os livros. São as dedicatórias. O meu nome bem legível na primeira página, data e local, a marca indelével de posse e a afirmação de território São meus. E isto jamais poderá ser substituído por uma geringonça electrónica. Isso não são livros. Esses não serão nunca os meus livros.

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