Dose de Amostra
Nas costas do Parque Eduardo VII, frente à Igreja de São Sebastião da Pedreira, do outro lado dos grandes armazéns espanhóis, abrira-se um buraco enorme. Um fosso no chão de Lisboa, do tamanho duma banheira grande - um alçapão de palco, daqueles por onde desaparecem as partenaires dos mágicos —, disse um taxista que não conseguia fazer pegar o carro que já dera a volta ao conta-quilómetros, pelo menos milhão e meio o meu carro fez, fui à Lua e voltei duas vezes, duas vezes sim, fiz as contas e nunca troquei de motor, disse o homem coçando a cabeça, mas este buracão na estrada parece truque de ilusionismo. A ideia ganhou força e espalhou-se com a segunda e terrível descoberta.
O Comandante operacional dos sapadores bombeiros falava da sorte que era ninguém ter caído lá dentro, como às vezes acontece a carros e até autocarros em Lisboa. Não se esqueçam que isso sucede quando chove desta maneira louca, é uma cidade toda mal feita no solo e subsolo, cheia de ribeiras domesticadas com canos gigantes, que não está nem nunca esteve pronta para precipitações, brincou ele, felizmente até agora os veículos automóveis ficaram sempre entalados, o rabo de fora, por serem demasiado grandes para a fenda respectiva.
Rui Cardoso Martins, (2009), Deixem passar o homem invisível, Alfragide, Dom Quixote.
Composição
Um homem cego, uma criança e a cidade de Lisboa sob um temporal diluviano são os compostos base deste romance, o segundo de Rui Cardoso Martins. Cheio de aventura, com um toque de mistério e uma pitada de supense, este livro é de leitura acessível e sempre agradável, mesmo quando a natureza desaba sobre Lisboa e o infortúnio une as personagens principais. Deixem passar o homem invisível foi recentemente galardoado com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores.
Indicações
Deixem passar o homem invisível é recomendado a todos os amantes de boas prosas, sem artifícios barrocos e minimalismos desmesurados. Está particularmente indicado a leitores receptivos a novos autores. Indivíduos curiosos sobre a rede subterrânea da cidade de Lisboa experimentaram sensações fugazes de felicidade. Deve ser lido com reservas pelos adoradores do sol e céu azul.
Precauções
Bem tolerado por quase todos os indivíduos, Deixem passar o homem invisível pode causar episódios pontuais de claustrofobia em leitores mais sugestionáveis pela prosa convincente e bem conseguida. Se sentir arrepios e um aperto no peito pela vida nos subterrâneos de Lisboa deve descontinuar a leitura de imediato. Os amantes da cidade de Lisboa experimentaram episódios de desolação pelo estado catastrófico da sua cidade ao longo da narrativa. Em leitores pessimistas podem ocorrer momentos de desespero pelo cego e a criança encurralados nas entranhas de Lisboa. Não deve desistir da leitura neste caso, lembre-se de que a “a esperança é a última a morrer”.
Outras apresentações
A leitura de Rui Cardoso Martins não deve ser descontinuada. Enquanto não surge outro livro do escritor não perca o seu primeiro romance E se eu gostasse muito de morrer e entretenha-se com as crónicas “A Nuvem de Calças” aos Domingos, na revista do jornal “Público”.
Sem comentários:
Enviar um comentário