segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Dia de S. Valentim (9) - Receita de Leitura

Dose de Amostra
Qualquer que tivesse sido a nossa diversão na noite anterior, por mais tarde que tivéssemos chegado e por mais que eu tivesse bebido, pela manhã, mal a luz surgia por entre as lâminas das persianas, projectando no tecto estranhos reflexos das ondas do Bósforo, eu levantava-me e subia as persianas, e de todas as vezes ficava maravilhado com a quase explosão de beleza que entrava pela janela. Para meu espanto, sentia aquele enlevo que apenas surge com um reacordar, com a descoberta das belezas esquecidas da vida — pelo menos, eu assim queria acreditar. A sempre perspicaz Sibel, apercebendo-se do meu estado de espírito, vinha pôr-se ao meu lado, vestida com a sua camisa de noite de seda, e as tábuas do soalho rangiam ligeiramente sob os seus pés, e juntos admirávamos a beleza do Bósforo, o barco de pesca vermelho que o atravessava, sacudido pelas ondas, a névoa que se erguia acima das colinas sombrias e cheias de árvores da outra margem e a forma como o primeiro ferry-boat da manhã se inclinava ao cortar a corrente, assobiando como um fantasma.

Orhan Pamuk, (2010), O Museu da Inocência, Lisboa, Editorial Presença.


Composição
Kemal, um jovem de Istambul proveniente de uma família abastada, apaixona-se perdidamente por Füsün, uma jovem de origens sociais humildes e não muito bem aceite pela sociedade istambulense de finais dos anos setenta. O Museu da Inocência não é apenas mais um livro sobre o amor, contudo. Nele encontram-se décadas de vida turca a braços com alterações sociais e políticas, um verdadeiro roteiro por Istambul, um catálogo do museu com os inúmeros objectos coleccionados por Kemal ao longo de décadas e uma elegia ao sentimento turco de nostalgia, hüzün.

Indicações
Recomenda-se a leitura d’ O Museu da Inocência aos amantes de prosas longas e interessados pela História e cultura de um povo. Amantes de viagens e cidades exóticas experimentaram sensações de bem-estar ao encontrar-se numa das mais vibrantes cidades europeias, Istambul. Indivíduos com tendência para o coleccionismo regozijaram ao identificar-se com Kemal. Leitores obcecados pelos objectos quotidianos como testemunho do tempo leram O Museu da Inocência com entusiasmo.

Precauções
Em leitores românticos foram observadas pontualmente alterações do ritmo cardíaco e lágrimas teimosas indiscretas pelo amor sofrido de Kemal e Füsun. Viajantes intrépidos sentiram ansiedade em alguns capítulos. O ímpeto de procurar o passaporte e aventurar-se na senda do verdadeiro Museu da Inocência em Istambul, cuja abertura se adivinha para este ano de 2011, foi um dos efeitos secundários reportados. Os amantes de mapas foram vistos a localizar a ficção na cidade de Istambul. Descontinue a leitura apenas por uns momentos. Resista por agora ao apelo do Bósforo mas não desista.

Outras apresentações
Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura em 2006, tem uma vasta obra, Aventure-se pois para novas experiências em Istambul, Memórias de uma Cidade. Caso prefira ficção, entre em Uma Vida Nova, o livro que granjeou muito êxito a Pamuk na Turquia e que deixa o leitor sem fôlego.

3 comentários:

Helena disse...

Andava à procura de um exemplo de receita de leitura para os meus alunos feita por outra pessoa que não eu e embati-me nesta. PERFEITA! Espero que me absolva da culpa: vou roubá-la e projectá-la na próxima aula.

LBarros disse...

Desde que indique a autoria, nada contra :)

Anónimo disse...

Boa tarde. Sou bibliotecária da UNESP de Bauru - SP - Brasil. Adoramos sua ideia de "Receitas" e estamos preparando uma atividade de incentivo à leitura com alguns textos seus, citando a fonte, claro. Pretendemos inclusive enviar fotos para você e depois escrever um artigo. Autorizadas?