quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Conversas na livraria

Foi isto enquanto vasculhava entre livros na tentativa de me decidir Este? Este ou este? Ou nenhum mesmo, carecida que estou de espaço e tempo para albergar mais livros. A voz ergueu-se e com ela a brisa dos corpos em trânsito entre um e outro escaparate, nos corredores estreitos. Estão aqui, estão aqui todos, este é o último, depois tem aqui as crónicas. A voz feminina questionou algo que não se deixou decifrar na distância e no tom de voz baixo. O rapaz continuou Sabe que ele é um escritor que se ama ou se odeia. Tem uma forma muito diferente de escrever, escreve tudo o que lhe vem à cabeça ao mesmo tempo. Mas é importante, é sempre nomeado para o Prémio Nobel. A mulher continuou pedindo informações e explicações. Olhando para os romances esboçou um ar temente ao volume de páginas e, entretanto, dirigindo-se para uma outra estante na peugada do empregado, solicitou-lhe o Livro de crónicas. O empregado foi peremptório e verdadeiro. São três, os livros de crónicas: Livro de Crónicas, este aqui, que é o primeiro, depois o Segundo Livro de Crónicas e o Terceiro Livro de Crónicas. A mulher queria saber mais e retomou o tema dos romances. Qual, qual seria melhor? O rapaz aconselhou-a a talvez começar pelas crónicas, o busílis centrava-se na escolha entre os três volumes. Achei por bem acudir-lhe na decisão. Disse-lhe pois que eram bem diferentes entre si, sendo que o primeiro se destacava dos outros por ser menos autobiográfico. Opinião, pura e simples. A mulher quis saber Já leu? Respondi-lhe que sim, que já lera os três mas que o primeiro era o meu preferido. A mulher esboçou um sorriso delicado e simpático e manifestamente feliz por encontrar alguém que já tivesse lido o escritor sobre o qual subitamente o seu interesse recaía. A conversa espraiou-se para o próprio autor E viu-o, ontem na televisão? Sim, sim, vi. É extraordinário, não é? Sim, de facto. E já reparou como ele escreve? A rapidez? Fantástico! Pois, pois. E agora já tem outro romance escrito além deste que acabou de publicar. Eu disse que pela entrevista colhera a impressão que este livro não teria sido publicado anteriormente para não coincidir com a publicação do outro livro. Procurei-o na estante e vi o livro no escaparate bem de frente para ambas e disse-lhe aquele ali. A mulher ficou surpresa. Aquele? De cartas? Sim, um livro que foi publicado com as cartas que ele escreveu à mulher enquanto esteve na Guerra Colonial, em Angola. A mulher ficou alvoraçada. À primeira mulher? E eu, Sim, julgo que sim… A mulher continuou, desta feita, com um ar cúmplice de mulheres que confessam o indizível, a voz levemente mais baixa, Àquela, à Carmito? Sim, que ele e as mulheres… Agora o ar rapioqueiro Ai, António, meu ganda maluco! Restava-me desfazer o equívoco e dizer-lhe que não, que a mulher a quem dedicou os aerogramas não se chamava Carmito. Pressenti, no entanto, que se iniciaria uma conversa para a qual eu não teria respostas, os irmãos, os pais, as filhas, as mulheres. Esbocei um sorriso, desejei à senhora boa leitura e retirei-me. Depois da conversa, o leitor deve ser deixado a sós com o texto. Dois é companhia, três uma multidão. A Carmito que o diga.
Leonor Barros©
imagem: "Pública" nº 545/ 29 Out. 06