O dia para trás das costas finalmente, o caminho tranquilo na direcção do ocaso laranja, uma tarja de mar inesperada no equinócio de Inverno iminente, o ziguezaguear pelas ruas da aldeia e, de repente, eis que me salta um texto ao caminho, pequeno é certo, as primeiras três palavras apenas, mas era um texto. Reconheci-o pela forma inesperada com que me surpreendeu. Sem aviso. Os textos não primam pela deferência. Aparecem sem se anunciar e saltam-me ao caminho em alturas pouco oportunas. Os textos fazem-me isto muitas vezes. Depois de passar as hortênsias do lado esquerdo, recompus a frase inicial, juntei-lhe mais uma palavra, agora com vírgulas a separar e, antes de chegar aos penachos do lado direito, já lhe tinha acrescentado um outro substantivo, características, talvez ou particularidades. Pisca para a esquerda, o ocaso alaranjado, viro à esquerda. Quando passei o chorão do lado direito ainda o sentia preso na imaginação, bem agarrado, como quando se segura um pássaro nas mãos, as asas em linha recta com o corpo distendido ao ritmo da respiração. Estava vivo, portanto. Chego a casa. Abandono-me ao ritmo que largo os livros me cima da mesa. Um suspiro profundo a recompor-me do dia e o texto soltou-se-me à primeira distracção. Ainda tentei agarrá-lo mas quando lhe deitei mão tinha-se libertado pela porta da sala entreaberta contra o crepúsculo lá fora. E foi assim que fiquei sem ele, esse tal texto que tinha na mão e em mim, esse que leriam agora caso não fosse tão rebelde e não me tivesse fintado ao pôr-do-sol.
quarta-feira, novembro 28, 2007
sexta-feira, novembro 23, 2007
Buy Nothing Day
Comemora-se hoje nos Estados Unidos da América e amanhã em todo o mundo o Buy Nothing Day, que numa tradução livre, significa Dia de não comprar. Nestes dias, o apelo está contido na própria designação do dia: não comprar nada é o lema. Não comprar nada parece uma proibição Não faças, não digas, não compres, mas proibições à parte, o objectivo principal é alertar as consciências para o ímpeto consumista, que, do ponto de vista da protecção do ambiente, é um passo mais para a destruição dos recursos e uma fonte inesgotável de lixo e desperdício.
Longe das preocupações ambientais, fundamentais para uma atitude responsável face ao mundo em que vivemos, a preocupação centra-se no descontrolo consumista, à mercê do estado espírito e que, para além da satisfação imediata no acto de comprar em estados de espírito sombrios ou crepusculares, nada mais traz. Este impulso foi já considerado como uma desordem passível de ser tratada com fármacos específicos para reduzir a pulsão.
O Buy Nothing Day levanta uma outra questão interessante: e se hoje, em vez de acorrermos aos centros comerciais e lojas, descobríssemos uma forma alternativa de passar o tempo, longe do consumismo? A leitura, por exemplo, ou dar um passeio com os amigos. O mundo inteiro está recheado de alternativas bem mais profícuas e enriquecedoras do que nos encafuarmos em lojas, à procura daquela peça que naquele momento nos parece a melhor, a mais bonita, a absolutamente necessária, mas que, uma vez chegados a casa, não é mais do que apenas mais uma.
Se pensarmos que o Natal está aí à porta e que se tornou por excelência uma época de consumismo desenfreado, destituído de significado, esta será uma óptima altura para pensarmos um pouco mais e reduzirmos os gastos desnecessários. Os comerciantes não gostarão certamente, mas o ambiente e a carteira compreenderão. E se já compraste alguma coisa hoje, lembra-te que a felicidade é grátis e de que não depende do que compramos.
Longe das preocupações ambientais, fundamentais para uma atitude responsável face ao mundo em que vivemos, a preocupação centra-se no descontrolo consumista, à mercê do estado espírito e que, para além da satisfação imediata no acto de comprar em estados de espírito sombrios ou crepusculares, nada mais traz. Este impulso foi já considerado como uma desordem passível de ser tratada com fármacos específicos para reduzir a pulsão.
O Buy Nothing Day levanta uma outra questão interessante: e se hoje, em vez de acorrermos aos centros comerciais e lojas, descobríssemos uma forma alternativa de passar o tempo, longe do consumismo? A leitura, por exemplo, ou dar um passeio com os amigos. O mundo inteiro está recheado de alternativas bem mais profícuas e enriquecedoras do que nos encafuarmos em lojas, à procura daquela peça que naquele momento nos parece a melhor, a mais bonita, a absolutamente necessária, mas que, uma vez chegados a casa, não é mais do que apenas mais uma.
Se pensarmos que o Natal está aí à porta e que se tornou por excelência uma época de consumismo desenfreado, destituído de significado, esta será uma óptima altura para pensarmos um pouco mais e reduzirmos os gastos desnecessários. Os comerciantes não gostarão certamente, mas o ambiente e a carteira compreenderão. E se já compraste alguma coisa hoje, lembra-te que a felicidade é grátis e de que não depende do que compramos.
Mais sobre o Buy Nothing Day.
Imagem daqui
quinta-feira, novembro 22, 2007
25 anos do Memorial do Convento
No passado dia 17 passaram 25 anos sobre a primeira edição do Memorial do Covento. A data foi comemorada com um colóquio no Palácio Nacional de Mafra. Inicialmente estava prevista a presença de José Saramago, mas por motivo de doença não pode comparecer. O colóquio foi composto por várias palestras, alusivas à época histórica em que decorre o romance, bem como sobre o própio romance. As palestras decorreram numa das salas mais belas e envolventes do Palácio, a Biblioteca e, para muitos, esta comemoração não atingiu o seu auge, uma vez que o escritor não esteve presente. Com ou sem Saramago, foi um momento grande em que se homenageou a literatura portuguesa e uma das suas obras mais emblemáticas.
sexta-feira, novembro 16, 2007
José Saramago completa hoje 85 anos de vida, mais de quatro décadas dedicadas à escrita, um Prémio Nobel, entre outros galardões, e muito romances para deleite dos amantes de literatura. Hoje é portanto uma data grande não só para o homem mas para o escritor, maior que o homem, e que ficará para sempre inscrito na história deste país e na história da nossa escola. E, porque no De Mês em Quando estamos atentos, aqui ficam os votos sinceros na passagem de mais um marco. Parabéns, José Saramago!
quinta-feira, novembro 15, 2007
Festival de Literatura Irlandesa
Começou ontem, em Lisboa, o Festival de Literatura Irlandesa. A iniciativa, a cargo da Casa Fernando Pessoa, da Fauldade de Letras de Lisboa e da Sociedade Guilherme Coussoul, tem como objectivo não só uma homenagem às letras irlandesas mas também dar testemunho das influências nas diferentes artes em Portugal. O Festival conta com a participação de escritores e claro, leitores, sem os quais a literatura não tem razão de ser, em debates e encontros. A entrada é grátis.
sexta-feira, novembro 09, 2007
Maioridade
João Ubaldo Ribeiro, 66 anos, brasileiro, natural de Itaparica, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras. Wladimir Kaminer, 40 anos, russo, natural de Moscovo, escritor, jornalista, animador de rádio, fundador da Russendisko. Embora vinte e dois anos de vida e um continente apartado pelo Atlântico os separem, estes dois homens partilham entre si, além do labor da escrita, uma mesma cidade. Não há evidência de que alguma vez se tenham encontrado, desconhece-se se algum dia se terão cruzado na Ku´ damm ou em qualquer outra rua da urbe mais emblemática do século XX. E, mesmo sem se saber o seu paradeiro durante o longínquo ano de 1990, altura em que ambos partilharam a cidade, Berlim une os dois escritores. Assim conta a história de João Ubaldo Ribeiro, que a convite do DAAD passa quinze meses em Berlim e que a partir da sua vivência na cidade e do confronto com uma realidade que o esperava com todos os estereótipos do brasileiro da Amazónia, escreve um livro delicioso, cheio de humor e peripécias narrando as aventuras desses quinze meses em território germânico. Enquanto isso, Wladimir Kaminer, recém-chegado da Rússia politicamente em escombros e socialmente desvalida, talvez habitando já no Schönhauser Allee, também o título de um dos seus livros iniciais, vive Berlim de forma tão intensa e estranha quanto Ubaldo Ribeiro. O mesmo olhar de fora, crítico, irónico, sarcástico, focado na cidade em pleno processo de mudança, engalanada com todas as cores da liberdade, exuberante na esperançada transmutação.
João Ubaldo Ribeiro regressa ao Brasil, para trás a experiência de Berlim e a rua Storkwinkel, a morada berlinense que admite ter-lhe deixado saudades, e brindou-nos com um belíssimo livro, breve, mas prenhe das impressões de um brasileiro em Berlim e que acabaria por emprestar o título à obra.
Kaminer ficou. Berlim torna-se, entretanto, o cadinho fervilhante de que são feitos quase todos os seus livros. Kaminer assume-se como não berlinense no único livro que dedica abertamente à cidade, Ich bin kein Berliner, a paródia evidente a uma das afirmações mais simbólicas do século passado. A dúvida persiste, no entanto, e para saber fica, se este estatuto de forasteiro serve à escrita, à figura pública do escritor ou ao real sentimento de inadaptação que provou ser um dos ingredientes imprescindíveis e de sucesso nas obras de Kaminer, mais ainda se pensarmos que tem intenções de candidatar-se a Burgomestre da cidade.
E Berlim não é cidade mãe, materna e acolhedora. Não tem regaço nem colo. Não nos canta canções de embalar nos crepúsculos agitados. Berlim é o oposto da mãe: dispersa, áspera, desigual, imensa e indiferente. Em Berlim podemos ser anónimos eternamente, um entre muitos na multidão frenética, multicolor, multicultural, lançados à mercê dos humores da sua altivez e intensidade que congrega a ironia e contradição dos acontecimentos históricos e sociais mais transformadores da Europa do século XX. E duma cidade assim, a história inscrita em cada pedra e a espreitar a cada esquina, só podiam brotar muitos livros, possíveis pela comunhão com a cidade que 9 de Novembro de 1989 permitiu.
João Ubaldo Ribeiro regressa ao Brasil, para trás a experiência de Berlim e a rua Storkwinkel, a morada berlinense que admite ter-lhe deixado saudades, e brindou-nos com um belíssimo livro, breve, mas prenhe das impressões de um brasileiro em Berlim e que acabaria por emprestar o título à obra.
Kaminer ficou. Berlim torna-se, entretanto, o cadinho fervilhante de que são feitos quase todos os seus livros. Kaminer assume-se como não berlinense no único livro que dedica abertamente à cidade, Ich bin kein Berliner, a paródia evidente a uma das afirmações mais simbólicas do século passado. A dúvida persiste, no entanto, e para saber fica, se este estatuto de forasteiro serve à escrita, à figura pública do escritor ou ao real sentimento de inadaptação que provou ser um dos ingredientes imprescindíveis e de sucesso nas obras de Kaminer, mais ainda se pensarmos que tem intenções de candidatar-se a Burgomestre da cidade.
E Berlim não é cidade mãe, materna e acolhedora. Não tem regaço nem colo. Não nos canta canções de embalar nos crepúsculos agitados. Berlim é o oposto da mãe: dispersa, áspera, desigual, imensa e indiferente. Em Berlim podemos ser anónimos eternamente, um entre muitos na multidão frenética, multicolor, multicultural, lançados à mercê dos humores da sua altivez e intensidade que congrega a ironia e contradição dos acontecimentos históricos e sociais mais transformadores da Europa do século XX. E duma cidade assim, a história inscrita em cada pedra e a espreitar a cada esquina, só podiam brotar muitos livros, possíveis pela comunhão com a cidade que 9 de Novembro de 1989 permitiu.
foto daqui
quinta-feira, novembro 08, 2007
sexta-feira, novembro 02, 2007
Pão-por-deus
No dia de Pão-por-deus as portas de minha casa escancaram-se, um prolongamento evidente da alma risonha e desvelada. Espreito-os pela janela, depois do chilrear que habitualmente os denuncia. Descem a rua e encaminham-se decididos para a minha porta. Tocam à campainha. Abro-lhes a porta, dizem ao que vêm e, de saco aberto, pregam os olhos vivos e iluminados na mesa colorida com recipientes vários: rebuçados, chupa-chupas, moedas de chocolate e gomas. No olhar o sentido de justiça infantil e com ele escrutinam quantas moedas a um e a outro, quantos chupas e se todos levam em igual quantidade de cada uma das guloseimas ao dispor. De ano para ano o crescimento evidente. Alguns dispensaram, entretanto, a vigilância familiar e regressam mais confiantes à procura das moedas de chocolate ou das bolinhas, imprescindíveis neste dia de alma iluminada. Um beijo, uma festa na cabeça, agradecem felizes, com os sacos tilintando e os sorrisos inestimáveis. Até para o ano.
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